11 outubro 2025

O equívoco da chamada Teologia da retribuição

“Pense bem: será que algum inocente já chegou a perecer? E onde os retos foram destruídos? (Jó 4.7 NAA).

por WELIANO PIRES

Estas palavras fazem parte do primeiro discurso de Elifaz, o temanita, um dos três “amigos” de Jó que vieram visitá-lo, depois que ele perdeu os seus dez filhos, todo o seu patrimônio e até a própria saúde. O texto da Versão Almeida Revista e Corrigida traduziu este texto assim: “Lembra-te, agora: qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos?”. A palavra "jamais" usada neste texto pela versão Almeida Revista e Corrigida traz certa confusão, pois, está em desacordo com o contexto dos discursos de Elifaz. Por isso, eu entendo que a tradução da Nova Almeida Atualizada (NAA), está mais contextualizada.

Quem era Elifaz? A Bíblia fala de duas pessoas com este nome, cujo significado é “Deus é forte” ou “Deus é a sua força”. A primeira citação do nome Elifaz, refere-se ao filho de Esaú com Ada, uma de suas mulheres (Gn 36.4,10, 11-16). Este foi o pai dos edomitas. O segundo personagem chamado Elifaz é o amigo de Jó, chamado de “o temanita”. Evidentemente, não se trata da mesma pessoa, pois, Jó viveu na época dos patriarcas, próximo à época de Abraão, que era o avô de Esaú. Logo, não deve ter sido contemporâneo  de um filho de Esaú, que era bisneto de Abraão. Temã, a terra de Elifaz, pertencia ao território tribal dos edomitas. Temã era um neto de Esaú, que dera o seu nome a uma região da Iduméia do Sul, que era famosa pela sabedoria. 

Em seu primeiro discurso, nos capítulos 4 e 5, Elifaz defende a chamada teologia da retribuição, segundo a qual, todo sofrimento é uma punição ao pecador e, portanto, os justos não sofrem. O cerne desta teologia é a chamada lei da causa e do efeito. A teoria de Elifaz se assemelha à doutrina do carma das religiões orientais, presente também no Espiritismo. Segundo estas religiões, o ser humano sofre, para pagar os seus erros em “vidas passadas”. Na teologia retributiva não há espaço para a Graça de Deus, pois, todos devem pagar pelos próprios erros, inevitavelmente. 

Recentemente, eu vi a história de um jovem de vinte e quatro anos, que foi capturado por uma facção criminosa na Bahia e, depois de ser julgado numa espécie de tribunal do crime, foi morto impiedosamente. Os assassinos ainda cortaram o seu corpo em pedaços e o colocaram em um saco plástico. A família, que era evangélica, passou vários dias aflita com o seu desaparecimento, até que finalmente o corpo foi encontrado já em estado de decomposição. O rapaz tinha problemas de saúde, era evangélico e não cometeu crime algum para ser morto daquela forma brutal. 

Na minha cidade natal, há alguns anos, ocorreu também um assassinato brutal que chocou a população. Uma idosa, com mais de oitenta anos, foi esfaqueada e morta por um usuário de drogas, sobrinho do marido dela. Eu conheci esta senhora e também os pais dela e irmãos, desde  a minha infância. Era amiga dos meus pais desde a juventude. Sempre foi uma pessoa de bem, que não fazia mal a ninguém. Durante a sua infância, juventude e até à velhice ela foi uma católica praticante. Mas, quando aconteceu esta tragédia, ela já era evangélica a alguns anos. A sua filha, genro e alguns netos e sobrinhos também são evangélicos. Como vamos dizer que este assassinato cruel foi “uma retribuição” pelos seus pecados? Seria uma afronta à memória dela, à família e a todos que a conheceram. 

Infelizmente, esse tipo de discurso da teologia retributiva tem sido pregado até mesmo em Igrejas evangélicas, por pessoas que desconhecem a Palavra de Deus. Há pessoas que pregam que se alguém está sofrendo é porque está em pecado e Deus “está pesando a mão”. Sejamos sinceros: Quantas pessoas nós conhecemos, que são justas e sofrem horrores injustamente? e quantas pessoas que cometem tantas maldades e vivem tranquilamente neste mundo? Ora, se o sofrimento fosse punição pelos pecados cometidos, Jesus, então, teria sido o pior dos pecadores, pois Ele sofreu agonia, afrontas, torturas e foi morto de forma cruel.

Embora a lei da semeadura e da colheita esteja na Bíblia, isso não é uma regra geral. O apóstolo Paulo disse que “Tudo o que homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). O ser humano, realmente, colhe aquilo que planta, mas, não apenas isso. Nós sofremos também os efeitos deletérios da entrada do pecado no mundo. Sendo assim, somos atingidos pelas consequências das ações de outras pessoas e do inimigo das nossas almas. Além disso, somos submetidos às provações de Deus. Elifaz tem razão quando diz que “...os que lavram iniquidade e semeiam o mal colhem isso mesmo”. (Jó 4.7b). Porém, ele erra quando diz que somente os pecadores sofrem, ou que todos os que sofrem é porque pecaram.

O caso de Jó não se enquadrava na teoria de Elifaz de que somente os pecadores perecem. Jó era um homem justo, temente a Deus e que se desviava do mal, conforme o próprio Deus havia testemunhado dele. Mesmo assim, ele sofreu uma série de perdas e estava em profundo sofrimento. Jó apelou para Deus, desejando abrir um canal de diálogo com o Todo Poderoso, para que Ele ouvisse as suas queixas. Esta é, sem dúvidas, a melhor atitude a ser tomada, quando passamos por sofrimentos, sendo incompreendidos e acusados injustamente. Deus é o nosso juiz e sabe perfeitamente quem somos, o que fazemos e o que fazem contra nós.

Não podemos nos esquecer em meio às lutas, sofrimentos e dificuldades, Deus está conosco. Ele não nos trata segundo os nossos pecados, pois conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó. Deus é longânimo, misericordioso, compassivo e bom. Precisamos tomar cuidado ao avaliarmos as causas dos sofrimentos. Nem sempre o sofrimento na vida de uma pessoa é uma punição ou consequência de pecado. Pode ser uma provação para nos ensinar e nos fazer amadurecer espiritualmente. Precisamos olhar para o sofrimento do ponto de vista da eternidade, pois se esperarmos em Cristo somente nesta vida, seremos os mais miseráveis de todos os seres humanos. 

Weliano Pires é bacharel em teologia, articulista, blogueiro evangélico, professor da Escola Bíblica Dominical e evangelista da Assembléia de Deus, Ministério do Belém em São Carlos-SP. 

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