19 julho 2022

O DIVÓRCIO NO CONTEXTO BÍBLICO


(Comentário do 1⁰ tópico da Lição 4: A sutileza da normalização do divórcio). 

Neste primeiro falaremos sobre o divórcio do ponto de vista bíblico, primeiro no Antigo Testamento e, depois, no Novo Testamento. Antes de falar sobre o divórcio, no entanto, precisamos resgatar o conceito de casamento segundo o padrão de Deus. O casamento foi instituído por Deus, com regras e objetivos bem definidos. No princípio Deus criou um homem e uma mulher e os uniu, tornando-os uma só carne. Ao contemplar Eva pela primeira vez e recebê-la das mãos de Deus como sua esposa, Adão declarou: "Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem, o seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne." (Gn 2.23,24). Este texto bíblico nos ensina que o casamento segundo Deus é heterossexual, monogâmico e vitalício. Portanto, o divórcio não foi uma criação de Deus. 


Entretanto, devido à dureza do coração do homem, Deus permitiu o divórcio para proteger a mulher que fosse rejeitada pelo marido, para que ela pudesse seguir a sua vida com outra pessoa, uma vez que o marido não a queria mais. No Novo Testamento, ao ser indagado sobre este assunto, Jesus disse que no princípio não foi assim e, “qualquer que deixar a sua mulher e casar-se com outra, sem que haja infidelidade conjugal, comete adultério e quem casar com a mulher repudiada, também comete adultério.” (Mt 19.7). O apóstolo Paulo também, em sua primeira Epístola aos Coríntios tratou deste assunto, no capítulo 7, quando respondeu às perguntas acerca do casamento.


1- O divórcio no contexto do Antigo Testamento. Na cultura oriental, na época dos patriarcas, o casamento era planejado pelos pais e deveria durar até o fim da vida dos cônjuges. O Código de Hamurabi, da antiga Mesopotâmia, prescrevia que, se um homem tomasse uma esposa e não redigisse o seu contrato, então essa mulher não era dele. Também era exigida fidelidade absoluta, principalmente da esposa. O adultério era punido com a morte, conforme vimos na lição passada. Neste código, a regra geral era que os casamentos fossem vitalícios, Entretanto, haviam exceções para que o casamento terminasse, como a infertilidade da esposa, por exemplo. 


O povo de Israel herdou muita coisa da cultura mesopotâmica, pois Abraão era natural dessa região. Mesmo depois da chamada de Abraão vemos casos de concubinato como os de Abraão, Jacó e Esaú. Depois, os filhos de Israel mudaram-se para o Egito, onde viveram por mais de 400 anos e, certamente sofreram influência cultural daquele país. Destes fatos podemos concluir que o divórcio já existia na época de Moisés e não foi estabelecido por Deus. O plano inicial de Deus para o casamento era que ele durasse até a morte de um dos cônjuges. O profeta Malaquias, por exemplo, afirma que Deus “odeia o divórcio”. (Ml 2.16). 


Por que, então, foi permitido o divórcio na Lei mosaica, se Deus o odeia? Jesus foi questionado sobre isso pelos fariseus e deu a seguinte resposta: “Por causa da dureza dos vossos corações”. (Mt 19.8). Esta expressão “dureza dos vossos corações”, no grego é “sklêrokardia”, formada das palavras skleros, que significa “seco, duro, áspero, dificultoso, exigente” que diz respeito ao homem extremamente obstinado; e “kardia”, que significa “coração”, não o órgão mas o interior do ser humano. Esta dureza do coração dos homens fazia com que eles abandonassem a esposa por qualquer motivo e a mulher abandonada não podia casar com outro, senão seria considerada adúltera. 


Por isso, Deus ordenou que o homem que repudiasse (rejeitasse) a sua mulher, lhe desse carta de repúdio, para que ela ficasse livre para casar com outra pessoa (Dt 24.1-4). A expressão traduzida por “carta de repúdio”, no hebraico é “sêpher kenthüth”. Era um documento público, reconhecido pelas autoridades judaicas, que liberava a mulher para se casar novamente, após ser abandonada pelo marido.  Entretanto, se o segundo marido a abandonasse, ou morresse, o primeiro não poderia casar com ela de novo. Neste texto de Deuteronômio 24, a Lei não é muito clara sobre os motivos que poderiam levar o homem a repudiar a sua esposa. Diz apenas “se não achar graça em seus olhos, ou nela achar coisa feia”. A expressão hebraica “erwat dãbãr'', traduzida por “coisa feia” significa literalmente “nudez” ou “coisa vergonhosa”.


Esta motivação que permitia o divórcio na Lei, se tornou alvo de controvérsia entre os rabinos judaicos. Havia duas principais interpretações sobre o tema. Segundo a Mishná (tradição oral dos judeus, que depois foi escrita pelo Rabi Yehuda), havia a escola do rabino Shammai, que dizia que “um homem não poderia se divorciar de sua esposa a menos que tenha encontrado falta de castidade nela”; e, por outro lado, a escola do rabino Hillel dizia que, “o homem poderia se divorciar da esposa, por vários motivos, inclusive, se ela estragasse um prato para ele, ou se encontrasse outra mulher mais bela do que a esposa.”  


Não temos maiores informações sobre casos de divórcios nos tempos do Antigo Testamento. Mas, pelos relatos, parece que também era banalizado. Os homens abandonavam a mulher por qualquer motivo e casavam-se com outras, como podemos ver nos Livros de Esdras e Malaquias. Entretanto, fica claro que o divórcio nunca foi a vontade de Deus, conforme Jesus esclarece em Mateus 19. 


2- O divórcio no contexto do Novo Testamento. Nesse conflito de interpretações, em que a prática do divórcio havia se tornado banalizada, Jesus foi interrogado pelos fariseus a respeito do assunto. Na verdade, eles não estavam interessados em saber o que era correto, pois já tinham opinião formada. Eles queriam que Jesus desse alguma resposta comprometedora, a fim de poderem acusá-lo de violação da Lei. Jesus, resgatou para eles o plano original de Deus para o casamento.


Jesus afirmou para os fariseus que, “qualquer que repudiasse a sua mulher e casasse com outra, não sendo por causa de prostituição (Gr. porneia, que significa qualquer tipo de imoralidade sexual), estaria cometendo adultério.” (Mt 19.9) Os fariseus, conhecedores da Lei, questionaram a Jesus, por que Moisés havia autorizado a carta de repúdio. Jesus explicou o contexto desta ordem dada por Moisés, que era uma permissão por causa da dureza dos corações, conforme vimos no item anterior. 


No Sermão do Monte, conforme vimos no trimestre passado, nas chamadas antíteses de Jesus, quando Ele confrontou os seus ensinos com os ensinos dos rabinos, Ele já havia falado sobre isso, dizendo: “Qualquer que deixar sua mulher, que lhe dê carta de desquite. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério; e qualquer que casar com a repudiada comete adultério.” (Mt 5.31,32). Portanto, no ensino de Jesus, o padrão para o casamento é que ele dure até que a morte os separe. Entretanto, Ele coloca uma exceção que é a infidelidade da outra parte. 


Alguns intérpretes alegam que Jesus não teria permitido um novo casamento no texto de Mateus 19. Dizem que as passagens paralelas de Marcos 10.2-12 e Lucas 16.18 não contêm essa exceção “não sendo por causa de prostituição”. O mais provável, no entanto, é que o Espírito Santo que inspirou Mateus a redigir o seu texto para judeus, viu a necessidade de expor essa regra colocada por Jesus. Porém, o mesmo Espírito que inspirou Marcos e Lucas a escreverem para gentios, não viu a necessidade de expô-la, pois, diferente dos judeus, esta exceção fazia parte do entendimento dos gregos e romanos. 


O apóstolo Paulo, no capítulo 7 de 1 Coríntios, respondeu às perguntas enviadas pelos coríntios sobre casamento. Na parte que ele falou sobre separação, fez menção a dois tipos de separação: a de um casal cristão e de um casal misto de um cristão e um incrédulo. Evidentemente, ele se referia a uma pessoa que se converteu já sendo casada, pois ele mesmo recomendou a não se prender a um jugo desigual com infiéis. 


No caso de um casal cristão, Paulo disse: “Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem casar ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher.” (1 Co 7.10,11). Ou seja, um casal cristão não deve se separar. Mas, se não conseguem viver juntos e se separarem, não podem se casar de novo. 


Sobre um casal misto, Paulo diz o seguinte: “Mas, aos outros, digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher descrente, e ela consente em habitar com ele, não a deixe. E se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em habitar com ela, não o deixe. …. Mas, se o descrente se apartar, aparte-se; porque neste caso o irmão, ou irmã, não está sujeito à servidão; mas Deus chamou-nos para a paz.” (1 Co 7. 12, 13, 15). A orientação de Paulo aqui é que um cristão não deve abandonar o cônjuge só porque ele não é crente. Porém, não pode forçá-lo a viver junto, caso ele não queira. Neste caso, se a parte incrédula quiser separar, o crente está livre do vínculo matrimonial. 


Os ensinos de Paulo e Jesus não são conflitantes, mas se complementam. Combinando os dois chegamos à conclusão de que apenas duas exceções são permitidas para um cristão divorciar-se e casar novamente: a imoralidade sexual da outra parte, não dele; e o abandono por parte de um cônjuge descrente, contra a sua vontade. Não entram nestas exceções quem trai o cônjuge e quem o manda embora. Este foi o entendimento comum dos evangélicos desde a Reforma Protestante. É também a posição oficial da Assembléia de Deus. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus reconhece a legitimidade de um novo casamento apenas quando o motivo do fim do primeiro casamento foi o adultério ou o abandono da outra parte. 


REFERÊNCIAS: 

GONÇALVES, José. Os Ataques Contra a Igreja de Cristo. As Sutilezas de Satanás neste Dias que Antecedem a Volta de Jesus Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022.

SOARES, Esequias. Casamento, divórcio e sexo à Luz da Bíblia. Editora CPAD. pág. 36-39; 41-46.

TENNEY, MERRILL C. Enciclopédia da Bíblia. Editora Cultura Cristã. Vol. 1. pág. 198-200.

Bíblia de Estudo Pentecostal, CPAD, p.1427

Comentário Bíblico Beacon. Vol. 6. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.135.


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Pb. Weliano Pires

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