(Comentário do 2⁰ tópico da LIÇÃO 01: O Sermão do Monte: o caráter do Reino de Deus).
Neste segundo tópico, falaremos sobre as bem-aventuranças e o caráter cristão. Discorreremos sobre as definições grega e hebraica da palavra traduzida por "bem-aventurado". Falaremos também sobre a definição e o caráter do Reino de Deus. Por último veremos quem são os súditos do Reino de Deus, com base nas qualidades descritas por Jesus no Sermão do Monte.
1 – O que são as Bem-Aventuranças? A palavra “bem-aventurado” aparece diversas vezes na Bíblia, principalmente nos livros de Jó, Salmos, Provérbios e Cantares. Os textos mais conhecidos no Antigo Testamento, onde este adjetivo aparece são os Salmos 1.1: “Bem-aventurado o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores", e o Salmo 128.1: “Bem-aventurado aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos!”
Em hebraico, a palavra traduzida por bem-aventurado é “Ashar”. Segundo o dicionário bíblico de James Strong, significa “equilibrado, correto, feliz, honesto, próspero, abençoado, feliz, que anda direito''. Quando Zilpa, concubina de Jacó, teve o seu filho Aser, que deriva de “Ashar”, a sua senhora, Lia, disse: Para minha ventura, porque as filhas me terão por bem-aventurada; e chamou o seu nome Aser”. (Gn 30.13). (Aser significa aquele que é feliz).
A versão grega Septuaginta, traduziu “Ashar” pelo termo grego “Makarios”, que é um prolongamento de “Makar”, cujo significado é “feliz, alegre, abençoado”. Portanto “Makarios” significa todos estes adjetivos de forma prolongada. Para os gregos, “Makarios” (Bem-aventurado) significava “viver livre de sofrimentos e preocupações”. Os judeus, no entanto, consideravam a “Ashar” (bem-aventurados) aquele que tinham bem estar material e eram recompensados por obedecer à Lei do Senhor. Para Jesus, bem aventurados são aqueles que são fiéis a Deus em quaisquer circunstâncias e recebem as bênçãos da salvação. As bem-aventuranças não são algo que o homem conquista, com os seus próprios esforços e méritos. Refere-se ao estado do homem que anda em retidão com Deus.
Segundo William Hendriksen, em seu comentário do Novo Testamento, cada uma das bem-aventuranças proferidas por Jesus, é formada de três partes: a. Uma atribuição da bem-aventurança (“Bem-aventurados”);
b. Uma descrição da pessoa a quem se aplica a atribuição, isto é, de seu caráter ou condição (“os pobres de espírito”, “os que choram”, etc.);
c. Uma declaração da razão desta bem-aventurança (“porque deles é o reino dos céus”, “porque eles receberão consolação”.
Assim como o Fruto do Espírito, descrito pelo apóstolo Paulo em Gálatas 5.22, as bem-aventuranças não são oito qualidades separadas, que alguns discípulos de Cristo são mansos, outros misericordiosos, outros pacificadores, etc. São oito qualidades, de todos os verdadeiros discípulos do Senhor, que nasceram de novo e são ao mesmo tempo mansos e misericordiosos, humildes de espírito e limpos de coração, choram, têm fome e de sede justiça, são pacificadores e perseguidos por causa da justiça. São características inerentes aos súditos do Reino de Deus.
2 - O Reino de Deus e seu caráter. Tanto Jesus, como João Batista fizeram menção à chegada do Reino de Deus em suas pregações. No Novo Testamento temos 137 referências ao Reino de Deus, mais de 100 delas durante o ministério de Jesus. Mateus usa a expressão “Reino dos Céus”, para se referir ao Reino de Deus, seguindo a tradição judaica de não usar o nome de Deus, temendo usá-lo em vão. Jesus proferiu várias parábolas, para explicar o Reino de Deus aos seus discípulos: Uma semente de mostarda, um tesouro escondido, o joio e o trigo, uma negociante de pérolas, o fermento que usado em uma vasilha de farinha, uma rede lançada ao mar, o credor incompassivo, os trabalhadores de uma vinha, o rei que celebrou as bodas do seu filho e as dez virgens.
A expressão Reino dos Céus ou Reino de Deus é uma referência ao domínio soberano de Deus sobre todas as coisas. Entretanto, o Reino de Deus, mencionado por Jesus não se refere a um governo político teocrático, como aconteceu com Israel no período anterior à monarquia. Também não se refere à restauração da monarquia judaica, tendo um descendente de Davi como rei, como os judeus, inclusive os discípulos de Jesus, imaginavam. Nem tampouco significa a transformação da sociedade, mediante novas leis, educação e justiça social, como pregam os adeptos da teologia da libertação dos católicos latinos e a teologia da missão integral de alguns evangélicos. Jesus foi bem claro a Pilatos, dizendo que o Seu Reino não é deste mundo (Jo 18.36).
O Reino de Deus tem pelo menos quatro dimensões:
a. Pessoal. Acontece quando o indivíduo em particular se rende ao domínio de Deus. “...O Reino de Deus está dentro de vós.” (Lc 17.21b).
b. A salvação. No Evangelho segundo João, a expressão “Reino de Deus” aparece como sinônimo da salvação. Em Marcos 10.25,26 também aparece como sinônimo da salvação.
c. A Igreja invisível. A Igreja de Deus, formada por todos os salvos, independente da denominação e do lugar, representa a expressão do Reino de Deus na terra (Mt 16.17,18). Deus iniciou o seu reino na terra através da sua Igreja.
d. O governo universal de Cristo. No final da Grande Tribulação, haverá a manifestação de Jesus em glória. Ele descerá do Céu em glória, com a Igreja. Derrotará os exércitos do Anticristo e estabelecerá um governo de paz, por mil anos. Será a expressão visível do Reino de Deus na terra. “Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele mil anos”. (Ap 20.6).
3 - Os súditos do Reino de Deus. Na primeira parte do Sermão do Monte, Jesus citou uma lista de oito bem-aventuranças em Mateus 5.1-12 e as respectivas razões de cada uma delas:
a. Os pobres de espírito (v.3). Os pobres de espírito são os humildes, que reconhecem a sua pobreza espiritual e total dependência de Deus. Jesus disse que, deles é o Reino dos Céus.
b. Os que choram (v.4). Os que choram aqui, não são as pessoas consternadas, que choram por qualquer motivo. Jesus se refere ao choro de arrependimento, pela nossa condição de pecadores. A razão desta bem aventurança é que eles serão consolados. Aqueles que se arrependem são perdoados por Deus e Ele limpará dos nossos olhos toda lágrima (Ap 21.4).
c. Os mansos (v.5). Os mansos não são fracos ou covardes. A mansidão refere-se a uma serenidade, ou força sob controle. É uma das virtudes do Fruto do Espírito e uma das características de Jesus (Mt 11.29), que deve ser aprendida por seus discípulos. A razão da bem-aventurança dos mansos é que eles herdarão a terra. Não se refere a uma herança desta terra como dizem as Testemunhas de Jeová. Na verdade é uma citação do Salmo 37.11, que diz a mesma coisa e refere-se a viver na terra prometida, dada por Deus ao seu povo. Os mansos são os verdadeiros herdeiros de Deus, vivem nesta terra que é do Senhor, como peregrinos (Hb 11.37), e são cidadãos do Céu (2 Co 5.1).
d. Os que têm fome e sede de justiça (v.6). A fome e a sede são dois desejos vitais do ser humano. Alguém que não os tem, certamente não está bem. Da mesma forma é o desejo de justiça, para um verdadeiro discípulo de Cristo. Justiça neste texto não significa punição a criminosos ou vingança, como muitos imaginam. A palavra grega traduzida por justiça é "dikaiosyne" que significa agir corretamente. Então, Jesus está dizendo que são bem aventurados os que têm fome e sede de agir corretamente, segundo os padrões de Deus.
e. Os misericordiosos (v.7). A palavra misericórdia em grego é “eleos”. Significa compaixão, beneficência, preocupação com a dor e a necessidade do próximo. Temos também o grego “eusphlanchnos”, que significa literalmente “vísceras gentis”, que é traduzido por “misericordiosos” (Ef 4.32). Isto porque, os gregos consideravam o intestino (sphlanchna) como o local onde se originavam as emoções mais fortes. Os judeus também acreditavam que os sentimentos de compaixão, afeição e solidariedade tinha origem nas vísceras. Por isso, encontramos em vários textos a expressão “moveu-se de íntima compaixão” (Gr. sphlanchnizomai).
A palavra portuguesa misericórdia vem da junção de duas palavras latinas: miseratio, derivada de miserere que significa “compaixão“, e “cordis” que significa “coração”. Sendo assim, a idéia de misericórdia em latim é “coração compassivo”. A misericórdia é um dos atributos comunicáveis de Deus. Em vários textos do Antigo Testamento é dito que Deus é misericordioso e que as suas misericórdias não têm fim. (Ex.34.6; Sl 100.5; Sl 103.4,8; Lm 3.22). Portanto, um verdadeiro discípulo de Cristo, que nasceu de novo, é misericordioso.
f. Os limpos de coração (V.8). A palavra grega traduzida por “limpos” é “katharos”, que significa sem mancha, limpo, imaculado, puro. Esta palavra era usada para descrever limpeza física, pureza cerimonial ou limpeza ética. Jesus a usou neste último sentido, referindo-se à pureza do coração pelo pecado. O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo pecado (1 Jo 1.7). A Palavra de Deus de Deus também limpa-nos do pecado, pois nos conduz ao arrependimento (Jo 15.3).
g. Os pacificadores (v.9). Pacificadores são aqueles que vivem em paz e a promovem. Tanto a palavra hebraica “Shalom”, quanto o grego “eirene” traduzidos por paz, significam não apenas ausência de conflitos, mas completo bem estar. Os judeus cumprimentam-se com “shalom”, desejando perfeita saúde, segurança, tranquilidade, prosperidade e ausência de discórdia ao seu próximo. Deus, o Pai, é chamado o Deus da paz (Hb 13:20); Jesus é chamado de Príncipe da paz (Is 9.6); A paz também é uma das virtudes do Fruto do Espírito Santo. A paz na Bíblia é um estado de perfeita harmonia com Deus e, consequentemente, consigo mesmo e com o próximo. Paulo diz que após termos sido justificados pela fé, temos paz com Deus, por meio de Jesus Cristo (Rm 5.1). Por isso, os pacificadores são chamados filhos de Deus.
h. Os perseguidos por causa da justiça (vs. 10-12). A última bem-aventurança destina-se aos perseguidos e caluniados por causa da Justiça. Ser cristão de verdade é andar na contramão do sistema maligno que impera no mundo. Inevitavelmente isso nos coloca em confronto com o mundo e gera terríveis perseguições por parte de governos, religiões e, principalmente, pelo inimigo. Tanto Jesus como os seus discípulos foram terrivelmente perseguidos. Jesus foi perseguido pelas autoridades judaicas. A Igreja Primitiva também foi perseguida, inicialmente, pelos judeus. Depois foi brutalmente perseguida pelo império romano, que tentou exterminá-la, praticando as mais terríveis atrocidades. Depois, com a mistura entre a Igreja e o Império romano advento dos papas, logo veio a perseguição religiosa da Igreja Católica contra os verdadeiros cristãos. Posteriormente veio o comunismo, o islamismo e outros, que empreenderam grandes perseguições à Igreja de Cristo. Mas, os perseguidos por causa da justiça seguem triunfantes e bem-aventurados. Grande será a sua recompensa nos céus.
Para entrar no Reino de Deus, primeiro é preciso nascer de novo, "da água e Espírito", como disse Jesus a Nicodemos (Jo 3.3-5). Somente os que nasceram de novo e foram transformados terão em seu caráter estas qualidades.
REFERÊNCIAS:
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Editora Hagnos. Vol. 1. pág. 488.
GOMES. Osiel. Os Valores do Reino de Deus: A Relevância do Sermão do Monte para a Igreja de Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022. pág. 27-28.
RIENECKER, Fritz. Comentário Esperança Evangelho de Mateus. Editora Evangélica Esperança. 1° Ed. 1998.
STOTT, John. Contracultura cristã. A mensagem do Sermão do Monte. Editora: ABU, 1981, pág. 14-15.
TASKER, R. V. G. Mateus: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, pág. 47-48.
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Pb. Weliano Pires