(Comentário do 2º tópico da Lição 9: Vontade - o que move o ser humano)
No segundo tópico, trataremos dos desejos, desde a escravidão até a redenção. Iniciaremos abordando a experiência de Israel no deserto, que, mesmo tendo sido liberto da escravidão no Egito, continuou cativo de seus próprios desejos. Em seguida, falaremos sobre os desejos no contexto cristão. Mesmo tendo sido salvos por Cristo, enquanto estivermos neste corpo mortal continuaremos convivendo com a natureza pecaminosa. Por fim, analisaremos a decisão do homem redimido de subjugar seus desejos carnais e ser guiado pelo Espírito.
1. A experiência do deserto.
Israel é o único povo na terra que foi formado exclusivamente por Deus, para que, por meio dele, nascesse o Salvador do mundo. Antes da existência de Israel, Deus chamou um homem em Ur dos Caldeus, na antiga Mesopotâmia, cujo nome era Abrão. Este homem era casado com Sarai, sua esposa, vivia com seus pais e irmãos e não tinha filhos.
Deus chamou Abrão diretamente e ordenou que ele deixasse sua terra, seus parentes, e fosse para uma terra desconhecida, que Ele haveria de lhe mostrar. Deus prometeu abençoá-lo e fazer dele uma grande nação. Abrão saiu com Sarai, sua esposa, e levou consigo o sobrinho Ló, filho do seu irmão Harã, que já havia falecido.
No meio do percurso, os empregados de Abrão e Ló se desentenderam, e eles tiveram que se separar. Dez anos se passaram desde que Abrão e Sarai chegaram a Canaã, com a promessa de Deus de que seriam pais de uma grande multidão. Nessa ocasião, Abrão já estava com 85 anos, e Sarai com 75. Pelos meios naturais, seria impossível gerarem filhos. Além da esterilidade de Sarai, que nunca tivera filhos, ela já tinha idade avançada e o ciclo menstrual encerrado.
Diante deste quadro, Sarai entendeu que seria impossível gerar filhos e teve uma ideia para "ajudar" a Deus no cumprimento da promessa. Ela disse a seu esposo: "Eis que o Senhor me tem impedido de dar à luz; toma, pois, a minha serva; porventura terei filhos dela" (Gn 16.2).
Esta atitude de Sarai era compreensível do ponto de vista cultural, legal e humano, pois era uma prática comum na sociedade da época. Sem questionar a atitude precipitada de Sarai, Abrão deu ouvidos à sua esposa e fez o que ela sugeriu. Sarai errou ao tentar "ajudar a Deus" com uma atitude precipitada, mas Abrão também falhou, pois ele era o patriarca da família e foi a ele que Deus fez as promessas.
Deste relacionamento de Abrão com Agar, sua serva, nasceu Ismael, que se tornou o pai dos povos árabes. Treze anos depois, o Senhor apareceu a Abrão, identificando-se como "Deus Todo-Poderoso" (heb. El Shadday) e reafirmou a promessa de que ele teria um filho, mas deixou claro que seria filho de sua esposa, Sarai. Em seguida, Deus mudou o nome de Abrão, que significa "pai exaltado", para Abraão, que significa "pai de uma multidão". Mudou também o nome de Sarai, que significa "princesa", para Sara, que significa "minha princesa".
Finalmente, nasceu Isaque, o filho da promessa, quando Abraão tinha cem anos e Sara 90. O nome "Isaque" (riso) foi dado porque Sara riu ao ouvir a promessa de que seria mãe aos 90 anos. De Isaque, Deus escolheu seu filho mais novo, Jacó, para, através dele, formar a nação de Israel. Jacó era o filho preferido de sua mãe, Rebeca, enquanto seu irmão Esaú era o preferido de seu pai, Isaque.
Essas preferências familiares geraram um grande conflito entre os irmãos, a ponto de Esaú decidir matar Jacó, que foi forçado a fugir de casa para salvar a sua vida. Orientado por seu pai, Isaque, Jacó foi para Harã, terra de sua mãe, para morar com seu tio Labão. De duas mulheres e duas concubinas, Jacó teve doze filhos e uma filha. Os doze filhos de Jacó formaram a nação de Israel. José, o filho preferido de Jacó, foi vendido como escravo por seus próprios irmãos. Esse acontecimento, no entanto, fazia parte do plano de Deus para torná-lo governador do Egito.
Como governador, José trouxe seu pai e toda a sua família para morar no Egito. Após a morte de José e de todos os seus irmãos, levantou-se um novo rei no Egito que não conhecia José e decidiu escravizar o povo de Israel. Essa escravidão foi extremamente cruel e dolorosa para os israelitas, pois, além da opressão do trabalho escravo, os egípcios matavam seus filhos recém-nascidos para impedir o crescimento do povo israelita.
Mas Deus estava no controle da situação e libertou Israel da escravidão, conduzindo-os à terra prometida sob a liderança de Moisés. O processo de libertação contou com muitos milagres da parte de Deus, que enviou dez pragas sobre os egípcios, mas essas pragas não atingiram os israelitas.
Diante de todo o cuidado de Deus para com Israel — desde a chamada de Abraão, passando pela vida de Isaque, Jacó e José, e, finalmente, a libertação da escravidão — Israel deveria ser o povo mais grato a Deus. Entretanto, não foi isso que aconteceu. Após saírem da escravidão e começarem a peregrinação pelo deserto, o povo de Israel murmurou várias vezes e sentiu saudades do Egito, tornando-se escravo de seus próprios desejos, como podemos ver no Salmo 106.14-15:
“Mas deixaram-se levar pela cobiça no deserto, e tentaram a Deus na solidão. E Ele lhes cumpriu o seu desejo, mas enviou magreza às suas almas.”
Apesar de todas as maravilhas realizadas por Deus no Egito e no deserto, os israelitas lembravam-se das comidas do Egito (Nm 11.5-6) e lamentaram-se pela falta de comida. Tomados pela ingratidão, desejaram retornar à escravidão, de onde Deus milagrosamente os libertou (Êx 20.2; Dt 26.8). Esta é uma triste característica da pessoa que se torna escrava dos próprios desejos e passa a cultuá-los como um ídolo. Esta filosofia é chamada de hedonismo, que é a busca do prazer a qualquer custo.
O apóstolo Paulo nos alertou sobre o perigo de seguir nossos próprios desejos sem discernimento, tomando como base o exemplo do povo de Israel no deserto (1Co 10.1-13). Seguir nossos próprios desejos, como os israelitas, pode levar à destruição. Por isso, é necessário aprender com a experiência do povo de Israel e buscar satisfação em Deus, e não em nossos desejos momentâneos.
Paulo escreveu também que a história de Israel foi registrada como advertência para nós:
"Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança" (Rm 15.4).
2. Os desejos na era cristã.
Uma certa igreja neopentecostal que tem uma pomba como símbolo utiliza uma prática exótica em seus programas de televisão: coloca cigarros, bebidas alcoólicas e entorpecentes diante de ex-viciados como prova de que foram libertos. As pessoas, ao terem contato com essas substâncias, fazem cara de nojo e afirmam que não sentem mais nenhuma vontade de consumi-las.
Muitos cristãos, equivocadamente, pensam que, após a conversão, estão totalmente livres dos maus desejos. No entanto, quando nos convertemos a Cristo, nossa velha natureza pecaminosa não é eliminada, mas sim subjugada. Ela continua dentro de nós, e precisamos lutar contra ela o tempo todo, enquanto estivermos neste corpo mortal.
Entretanto, o Espírito Santo passa a habitar em nós, e recebemos também uma nova natureza, segundo os padrões de Deus. Passamos a ter não apenas o desejo de agradar ao Senhor, mas também o poder do Espírito, que nos fortalece e nos capacita a vencer a velha natureza. Aliás, sem o poder do Espírito ninguém consegue vencer sozinho. Por isso, o apóstolo Paulo escreveu:
“Andai em Espírito e não cumprireis as concupiscências da carne.” (Gl 5.16)
3. A decisão do homem redimido. A obra da salvação realizada por Cristo nos liberta do poder do pecado. Diante dos desejos da carne e da vontade do Espírito, o homem redimido inclina-se “para as coisas do Espírito” (Rm 8.5). Isso é resultado de sua nova natureza (Ef 4.24; 2Co 5.17). Significa que não podemos nos conformar com os desejos do velho homem, mas, pelo poder do Espírito, nos dedicar ao processo de mortificação de nossa carne, a velha natureza (Rm 8.11-13; Cl 3.5). Nossos desejos pecaminosos não deixam de existir, mas em Cristo triunfamos sobre eles; vivendo, andando e frutificando no Espírito (Gl 5.22-25; 1Jo 3.6).
A obra da salvação tem seu início no sacrifício de Cristo por nós. Sem esse sacrifício, não haveria possibilidade de salvação através de obras, sofrimento ou merecimento. Todos somos pecadores e incapazes de alcançar a salvação por meios próprios. Por isso o apóstolo Paulo escreveu:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie.” (Ef 2.8-10).
Antes da conversão, todos nós estávamos mortos em nossos pecados e ofensas, e éramos, por natureza, inimigos de Deus. Entretanto, Deus, rico em misericórdia, decidiu nos salvar e ofereceu o único meio possível: o Cordeiro que tira o pecado do mundo, Jesus Cristo, o Justo.
O Espírito Santo comunica esta mensagem ao pecador e influencia sua vontade para que possa crer em Deus. Contudo, o ser humano continua tendo a responsabilidade de aceitar ou rejeitar a salvação. A obra da salvação consiste em um processo que envolve três aspectos:
3.1. Justificação. A partir do momento em que alguém crê em Cristo e o recebe como Senhor e Salvador, inicia-se o processo da obra da salvação. A primeira etapa é a justificação. A justificação é um termo jurídico que se refere ao cancelamento da sentença de alguém culpado. Esse cancelamento só pode ser feito pela parte ofendida — Deus. Ele declara o pecador justo, não por seus próprios méritos, mas pelos méritos de Cristo, que lhe são atribuídos.
3.2. Regeneração. A segunda etapa é a regeneração, ou novo nascimento. Trata-se da criação de uma nova natureza no ser humano, conforme Deus, inclinada para as coisas espirituais. A pessoa regenerada passa a ter uma nova mentalidade e é transferida da morte para a vida (Jo 3.3–7; 2Co 5.17; Tt 3.5). A regeneração não elimina a natureza pecaminosa, mas introduz uma nova natureza que entra em conflito com a antiga.
3.3. Santificação. A terceira etapa é a santificação, uma obra realizada pelo Espírito Santo no interior do crente, capacitando-o a se afastar do pecado e a aproximar-se de Deus. A santificação possui três dimensões:
a) Santificação Posicional. Acontece no momento da conversão, quando Deus nos separa para Si e nos declara santos.
b) Santificação Progressiva. É o processo contínuo de transformação ao longo da vida, que nos capacita a lutar contra o pecado, crescer em obediência e tornar-nos cada vez mais parecidos com Cristo.
c) Santificação Futura (Glorificação). É o estágio final da salvação, quando receberemos um corpo glorificado e estaremos completamente livres da presença do pecado. Somente nesse estágio seremos plenamente perfeitos, com um caráter completamente semelhante ao de Cristo.
Ev. WELIANO PIRES
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