(Comentário do 2º tópico da Lição 07: A responsabilidade é individual).
Neste segundo tópico falaremos sobre três temas muito importantes da teologia, que geram muitas discussões: a universalidade da salvação, o fatalismo e a perseverança na salvação. A vontade de Deus é que todos cheguem ao arrependimento e sejam salvos. Veremos ainda neste tópico uma contestação ao pensamento fatalista que diz que todas as coisas são previamente determinadas e não há como mudar. Este texto de Ezequiel mostra que se o pecador se arrepender será salvo e se o justo abandonar a sua justiça perecerá. Por último falaremos sobre a possibilidade do crente perder a salvação.
1. Há esperança para o pescador (vv. 21,22 e 23). Depois de falar da responsabilidade individual de cada pecador no versículo 20 (a alma que pecar esta morrerá), nos versículos seguintes Ezequiel explica que há esperança para o pecador, se ele se converter dos seus maus caminhos e passar a praticar o que é justo (v.21). O profeta esclarece que, se o pecador se converter, os pecados praticados anteriormente não serão considerados e, pela justiça que praticar a partir da conversão, ele viverá (v.22). Por último, Ezequiel diz que Deus não tem prazer na morte ímpio, mas deseja que ele se converta e seja salvo.
Há uma discussão teológica interminável sobre este assunto. Os calvinistas afirmam que Deus não ama o pecador e que Cristo não morreu por todos, morreu apenas por aqueles que Deus determinou, antecipadamente, que seriam salvos, a quem eles chamam de eleitos. Sob este ponto de vista, os pecadores que não fazem parte do grupo dos eleitos estão perdidos por antecipação e não há nada que possa mudar isso.
Entretanto, não é isso que a Bíblia ensina. Tanto no Antigo, como no Novo Testamento, encontramos o ensino de que Deus deseja salvar a todos os pecadores e não tem prazer na morte do ímpio. Se o pecador insiste em perecer, é por sua livre e espontânea vontade, não por determinação de Deus. Conforme vimos na lição passada, os juízos de Deus não acontecem sem motivo, sem que Deus avise e sem que Deus ofereça a oportunidade para o pecador se arrepender.
Tanto no capítulo 18, como no capítulo 33, Deus usa o profeta Ezequiel para esclarecer que Deus não tem prazer na perdição dos ímpios, mas deseja que eles se arrependam: "Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor DEUS; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?" (Ez 18.23); "Vivo eu, diz o Senhor DEUS, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho, e viva." (Ez 33.11).
No Novo Testamento, o ensino de que Deus ama os pecadores e deseja salvar a todos está mais claro ainda. O chamado "texto áureo da Bíblia", João 3.16, diz que "Deus amou o mundo de tal maneira, que Deus o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha vida eterna." Observe que o texto diz que Deus amou "o mundo" e não apenas os eleitos. Na casa de Zaqueu, Jesus disse que o Filho do Homem veio "buscar e salvar o que se havia perdido" (Lc 19.10). Quem estava perdido? Todos nós! Então, Ele veio buscar e salvar a todos. Entretanto, só serão salvos aqueles que nele crerem (Mc 16.16).
Nas Epístolas, os apóstolos também falaram desse assunto. Escrevendo a Timóteo, Paulo disse que Deus "quer que todos os homens [seres humanos] sejam salvos e venham ao pleno conhecimento da verdade". (1 Tm 2 4). Em outra parte, Paulo diz que "Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal" (1Tm 1.15). O apóstolo Pedro também fala a mesma coisa, com outras palavras: "O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para convosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se." (2 Pe 2.9). Portanto, há esperança para todos os que pecaram e quiserem ser salvos. A única exceção é a apostasia e a blasfêmia contra o Espírito Santo, pois, nestes casos, o próprio pecador rejeita deliberadamente a ação do Espírito Santo, que poderia levá-lo ao arrependimento. Sendo assim, não há quem possa fazê-lo.
2- Refutando um pensamento fatalista (v.20). O fatalismo é uma teoria filosófica que defende que todos os acontecimentos no universo são inevitáveis, sejam por causas conhecidas ou não. Nesta perspectiva, o fatalismo defende a incapacidade humana de influenciar ou mudar os acontecimentos, cabendo-lhe única e exclusivamente, a resignação. Esta ideia é conhecida popularmente como destino, sina ou sorte.
No campo teológico, o fatalismo diz que há contradição entre a onisciência divina e o livre arbítrio. Partindo desse pressuposto, dizem que Deus conhece tudo por antecipação (presciência) e, portanto, determina tudo o que irá acontecer, independente das ações humanas. Há ainda uma corrente mais radical do fatalismo que defende que nem Deus interfere nos acontecimentos. Na sua onisciência, Deus sabe tudo o que irá acontecer, mas não interfere, pois tudo acontece por acaso. O fatalismo crê que tudo que tiver que acontecer, acontecerá e o que não tiver que acontecer, não acontecerá. Uma crença nosso leva o ser humano, inevitavelmente ao pessimismo.
O povo de Judá, tanto os exilados na Babilônia como os que ficaram na terra de Israel, foram contaminados por este pessimismo. Eles acreditavam que estavam sofrendo punições pelos pecados dos seus pais (Lm 5.7), como algo inevitável, que havia sido predeterminado por Deus. O profeta Ezequiel foi usado por Deus para desfazer este equívoco e explicar que foram punidos pelos próprios pecados e que, mesmo assim, se houver arrependimento dos pecadores, Deus os salvará. Em toda a Bíblia vemos Deus mudando sentenças e acontecimentos, de acordo com as ações do homem. Um dos casos mais conhecidos é o da cidade de Nínive, que Deus mandou o profeta Jonas anunciar a sua destruição e, por causa do arrependimento, Deus desistiu de destruí-la.
3- Duas situações (vv.2,22,24). Neste ponto trataremos de outra grande discussão teológica que é a chamada perseverança dos santos. Este é o último ponto do resumo do calvinismo, que é descrito através do acróstico em inglês TULIP:
T: Depravação Total (Total Depravity)
U: Eleição Incondicional (Unconditional Election)
L: Expiação Limitada (Limited Atonement)
I: Graça Irresistível (Irresistible Grace)
P: Perseverança dos Santos (Perseverance of the Saints).
A perseverança dos santos, segundo o calvinismo, é a ideia de que todos os eleitos foram salvos e permanecerão salvos, sem que haja a possibilidade de se perderem. Assim como dizem que Deus determinou antecipadamente quem seria salvo e quem não seria, o calvinismo ensina aqueles que Deus salvou não se perderão. Os que se desviam é porque, na verdade, nunca foram salvos.
No texto de Ezequiel 18, nos versículos 2, 22 e 24, no entanto, nos apresenta duas situações: a situação do pecador que se converte e passa a praticar a justiça; e a situação de um justo, que abandona a justiça e passa a viver no pecado. Deus explica que, no caso pecador, que se converte, os seus pecados não serão lembrados e ele viverá por causa dos atos justos praticados após a conversão. No caso do justo, que abandona a justiça, ocorre o inverso. A sua justiça anterior não será considerada e ele morrerá por causa do seu último estilo de vida no pecado.
Em vários textos a Bíblia ensina que é possível o salvo perder a salvação, se não permanecer em Cristo. Na parábola do filho pródigo, temos o exemplo do filho mais novo, que vivia ao lado do pai e o abandonou temporariamente. Porém, depois caiu em si e foi restaurado (Lc 15.32). Neste exemplo, podemos ver que alguém pode perder a salvação temporariamente, caso se afaste de Deus, mas há a possibilidade de voltar atrás e ser salvo. Mas temos também o caso de alguém que foi salvo do pecado e depois se perdeu definitivamente: "Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, sejam renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério.' (Hb 6.4-6. Os calvinistas dizem que este texto não está falando de alguém que era salvo. Mas o texto é bem claro e fala de alguém que "foi iluminado, provou o dom celestial e se fez participante do Espírito Santo e provou a boa Palavra de Deus e as virtudes do século futuro". Não dá para dizer que alguém assim não foi salvo.
Além disso, encontramos inúmeras advertências no Novo Testamento para o crente vigiar e perseverar. Ora, se não houvesse a possibilidade do salvo de perder, não haveria nenhuma necessidade de adverti-lo sobre isso. O próprio Jesus afirmou que, devido à multiplicação da iniquidade, o amor de muitos iria se esfriar, mas aquele que perseverar até o fim, será salvo. (Mt 24.12,13). À fiel Igreja de Filadélfia, o Senhor Jesus deu a seguinte recomendação: "Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa." (Ap 3.11). Evidentemente, se não houvesse a possibilidade de um crente fiel perder a sua salvação, esta advertência não faria nenhum sentido.
REFERÊNCIAS:
CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo. Editora Hagnos. pag. 347-348; 3247-3248.
BLOCK, Daniel. Comentário do Antigo Testamento Ezequiel Vol. 1. Editora Cultura Cristã. pag. 532-534.
SOARES, Esequias; SOARES, Daniele. A Justiça Divina: A preparação do povo de Deus para os últimos dias no livro de Ezequiel. Editora CPAD. 1 Ed. 2022. págs. 87-89.
GABY, Eliel dos Santos. Filosofia da Religião. 1ª Ed. Santa Catarina: Academia de pregadores, 2022. págs. 45,46.
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Ev. Weliano Pires
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