Neste segundo tópico, faremos uma comparação entre a letra da lei e a verdade do Espírito. Estas expressões foram usadas pelo apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 3, numa referência às letras escritas em tábuas de pedras por Moisés e a Verdade do Espírito que foi escrita nos corações pelo Espírito Santo. A expressão ‘letra da lei”, é mal compreendida por muitos evangélicos, que pensam que a expressão “a letra mata”, usada por Paulo em 2 Co 3.6 é uma referência ao estudo teológico, mas não tem nada a ver.
1- O que a expressão “letra da Lei” significa? No final do capítulo 2 da segunda Epístola aos Coríntios, Paulo inicia uma explicação sobre o caráter do ministério cristão, em contraste ao ensino dos judaizantes, que insistiam na necessidade de guardar a Lei para ser salvo. Paulo fala aos coríntios que, eles são uma carta “escrita não com tinta em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração”. (2 Co 3.3). No versículo 6, ele diz que ministros de Cristo são ministros de um novo concerto, não da letra, mas do Espírito, porque a letra mata e o Espírito vivifica. (2 Co 3.6).
Isto significa que a Lei (letras escritas em pedras) não foi dada para a salvação e sim para revelar o pecado do ser humano e a sua incapacidade de salvar-se por seus próprios méritos. Escrevendo aos Gálatas e tratando do mesmo assunto, Paulo disse que a Lei serviu como “aio” [Gr. paidagogos] para nos conduzir a Cristo. (Gl 3.14). Esta palavra grega paidagogos era usada em referência a um escravo que era o responsável por conduzir os filhos do seu senhor a um professor para o alfabetizar.
O que Paulo diz que mata, não é a letra no sentido de conhecimento e sim a letra da lei, que apontava o pecado do homem e a respectiva condenação. A lei do Espírito, escrita nos corações, nos regenera e nos capacita a viver em santidade. Paulo também disse aos Gálatas: “Andai em Espírito e não cumprireis as concupiscências da carne” (Gl 5.16). Na sequência desse texto, ele faz uma comparação entre as obras da carne e o Fruto do Espírito. Neste novo concerto, o Espírito Santo nos foi dado para habitar em nossos corações e transformar o nosso interior.
2 - A perspectiva teológica da Lei. A Lei mosaica não se restringia ao campo religioso. Quando a Lei foi dada a Israel, o povo de Deus vivia uma teocracia, ou seja, o governo de Deus. Conforme vimos no tópico anterior, a lei continha os parâmetros morais, cerimoniais e judiciais do povo de Israel. Na lei estavam escritos o código penal e civil, as liturgias de cultos e sacrifícios, as celebrações das festas religiosas e as respectivas punições para quem descumprisse as proibições.
Os princípios jurídicos da Lei mosaica são conhecidos como “lei do talião”, expressão que vem do latim Lex Talionis (lex “lei” e talis “tal, de tal tipo). Este sistema jurídico foi estabelecido com base no princípio da retribuição ou reciprocidade entre o crime e a pena. Ou seja, se alguém matasse, pagaria com a vida; se causasse lesão corporal, sofreria a mesma lesão; se causasse prejuízos a alguém, ou furtasse, teria que restituir quadruplicado; e assim, sucessivamente. Outros códigos antigos como o Código de Hamurabi na Babilônia e o Código de Shulgi, de Ur dos Caldeus, trazem conceitos jurídicos semelhantes ao judaico. Este sistema jurídico pertencia ao estado teocrático de Israel, em uma época específica. Não pode, portanto, ser imposto a outros povos, que têm naturalmente as suas próprias leis civis e penais.
As leis religiosas ou cerimoniais tratavam das liturgias de culto, inicialmente no tabernáculo e, posteriormente, no templo. Nestas leis cerimoniais constavam as ordenanças referentes aos sacrifícios, rituais, sacerdotes, adoração, festas religiosas, etc. O Livro de Levítico registra os pormenores destas leis. Quando lemos a Epístola aos Hebreus percebemos que tudo aquilo era simbólico e figurativo, apontando para Cristo e seu sacrifício que são perfeitos e infinitamente superiores.
É um grave erro, a Igreja querer adotar estas celebrações no culto cristão. É comum vermos pessoas chamando cantores de “levitas” e pastores de “sacerdotes”. Os levitas eram os descendentes de Levi, que não receberam herança em Israel. Era a tribo sacerdotal, que recebia os dízimos e ofertas das demais tribos, para que ficassem responsáveis por todo o trabalho do templo. Nem todos os levitas eram cantores. Somente nos dias de Davi, alguns levitas foram encarregados de cuidar da música do Templo.
Os demais levitas continuaram os seus trabalhos de limpeza do templo, de providenciar todo o material para os sacrifícios, etc. Mas, esse tipo de levita ninguém quer ser! Os sacerdotes, por sua vez, faziam parte do antigo pacto. Eles ofereciam sacrifícios por si mesmos e pelo povo e eram tipos de Cristo. Hoje, na Nova Aliança temos ministros do Evangelho, que não são sacerdotes ou mediadores entre Deus e os homens. Este papel pertence ao Senhor Jesus.
A Lei moral aparece em primeiro lugar na Lei mosaica. Eu deixei por último, para explicar que ela não foi anulada na nova aliança. Há pessoas que pensam que a lei moral são os dez mandamentos, mas, não é verdade. Primeiro, nos dez mandamentos há um mandamento que não é lei moral, que é o sábado. O sábado é uma lei cerimonial que apontava para Cristo que é o nosso descanso. Não há um único versículo no Novo Testamento que mande a Igreja guardar o sábado ou qualquer outro dia.
As leis morais de Israel não foram revogadas, mas foram aprimoradas e outras foram incorporadas. Jesus citou vários casos em que a Lei previa algumas coisas e Ele acrescentou ou interpretou de outra forma: “Ouvistes o que foi dito aos antigos…; Eu porém vos digo”. Na Lei mosaica era proibido o assassinato doloso: “Não matarás”. Jesus, no entanto acrescentou que o ódio é similar ao assassinato, pois é ele que leva uma pessoa a matar outrem, como fez Caim. A Lei proibia o adultério, referindo-se à relação sexual entre uma pessoa casada e outra que não fosse o seu cônjuge. Jesus acrescentou a isso, o olhar impuro e malicioso.
Os apóstolos também falaram sobre as leis morais, condenando o adultério, fornicação, homossexualismo, mentira, idolatria, roubo, desobediência aos pais, avareza, inveja, murmuração, feitiçaria, etc. que eram proibidos na Lei. Entretanto foram acrescentados outros pecados como a glutonaria, a embriaguês, a lascívia, impureza, dissensões e outros. (1 Co 6.10; Gl 5.19-21).
3 - A Lei e a verdade do Espírito. Para entendermos a diferença entre a Lei Mosaica e a Lei do Espírito, se faz necessário entendermos um pouco a teologia dispensacionalista. O Dispensacionalismo é um sistema de teologia que vê o mundo como se fosse um “lar” que é gerenciado por Deus. A própria palavra “dispensação” tem o sentido de “administração” ou “mordomia” e é usada por Paulo no Novo Testamento: “De tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra”. (Ef 1.10); “Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada.” (Ef 3.2).
Muitas vezes já ouvimos pregadores falando da “dispensação da Graça”. Mas, o que isto significa? Bem, a teologia dispensacionalista fundamenta-se com base na interpretação literal e consistente da Bíblia (desde Gênesis até o Apocalipse). Também faz distinção entre Israel e a Igreja e enfatiza a glorificação de Deus através da sua criação ao longo dos anos. Esta linha de interpretação bíblica divide a história humana em sete períodos chamados de dispensações:
a. Dispensação da inocência: Período que se estende desde a criação de Adão até a expulsão do Éden.
b. Dispensação da consciência: Desde a queda do primeiro casal até o dilúvio.
c. Dispensação do governo humano: Desde o dilúvio até a confusão das línguas na tentativa de construção da Torre de Babel.
d. Dispensação da promessa: Desde a chamada de Abrão em Ur dos Caldeus, até o fim do cativeiro de Israel no Egito.
e. Dispensação da Lei: Desde a saída de Israel do Egito até a crucificação de Jesus.
f. Dispensação da Graça: Desde a ressurreição de Jesus até o arrebatamento da Igreja.
g. Dispensação do Milênio: Desde a manifestação gloriosa de Cristo até o Juízo final.
Atualmente vivemos a sexta dispensação, chamada de dispensação da Graça, Era da Igreja, ou Dispensação do Espírito. Esta dispensação representa um intervalo entre a 69ª semana de Daniel e a 70ª. Neste período, devido à rejeição de Israel ao Messias, Deus abriu a oportunidade a todos os povos para serem salvos, formando um só povo: a Igreja. Após o arrebatamento da Igreja, Deus voltará a tratar com Israel. Iniciará a contagem da 70ª semana de Daniel que será a Grande Tribulação. No final dos sete anos, Jesus retornará novamente com a Igreja e estabelecerá o seu Reino de mil anos sobre a terra, que será a Dispensação do Milênio.
A principal diferença entre dispensação da Lei e a Dispensação do Espírito é que a Lei mostrava apenas o pecado e a condenação. Não capacitava o homem para cumpri-la. Na Dispensação do Espírito, há esperança de redenção pelo sacrifício perfeito de Cristo. A Justiça de Cristo nos é atribuída e a sentença de morte que havia contra nós é rasgada. Este aspecto da salvação é chamado de justificação.
Após a justificação, temos um outro processo. O Espírito Santo passa a morar em nosso interior e produz uma profunda transformação em nossa natureza. Este segundo aspecto da salvação é chamado de regeneração ou novo nascimento. Somente Deus pode operar a regeneração no ser humano. O ser humano, morto em seus próprios pecados e destituído da Glória de Deus, não tem capacidade de se regenerar por seus próprios méritos ou esforços.
Depois, temos outro processo da salvação chamado de santificação, que é o afastamento do pecado e a consagração a Deus. Esta santificação tem três dimensões: Ela é posicional, progressiva e futura. Na santificação posicional, somos declarados santos por Deus, quando o Espírito Santo passa a morar em nós. Por outro lado, a santificação progressiva, passamos por um processo de santificação, mediante a Palavra de Deus e o viver no Espírito, somos moldados conforme o caráter de Cristo. Por último, na santificação futura receberemos um corpo glorificado e seremos livres completamente da presença e possibilidade de pecado.
4- Qual é o propósito da Lei para os discípulos de Cristo? A lei para o cristão não é um conjunto de regras a serem cumpridas para se alcançar a Salvação, como pregam os legalistas. Sendo assim, o único propósito da Lei é apontar que somos culpados diante de Deus e Ele é o único que pode nos justificar e nos santificar. Apenas princípios morais da Lei mosaica permanecem na Nova Aliança conforme já falamos. Toda a parte cerimonial e jurídica não se aplica à Igreja.
Estes princípios morais da Lei foram ampliados na dispensação da Graça. A lei condenava a prática do pecado, apenas na consumação do ato. Entretanto na Nova Aliança são condenadas também as intenções. Nunca é demais lembrar que ninguém consegue cumprir estes princípios por seus próprios esforços e ninguém é salvo pelo cumprimento de regras. Somos salvos pela Graça de Deus, mediante a fé em Cristo. É pela Justiça de Cristo e não pelas nossas obras que somos salvos, conforme veremos no próximo tópico.
REFERÊNCIAS:
ARRINGTON, French L; STRONSTAD, Roger (Eds.) Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p.44.
Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal. Editora CPAD. Vol. 2. pag. 33-34.
Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal. Editora CPAD. Vol. 2. págs. 204, 267.
DAVIDSON, F. Novo Comentário da Bíblia. Gálatas. pág. 16.
GOMES, Osiel. Os Valores do Reino de Deus: A Relevância do Sermão do
Monte para a Igreja de Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022. pág. 58-60.
LOPES, Hernandes Dias. GÁLATAS A carta da liberdade cristã. Editora Hagnos. pág. 85-86.
LOPES, Hernandes Dias. II Coríntios O triunfo de um homem de Deus diante das dificuldades. Editora Hagnos. pag. 80-81.
STAMPS. Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal: Antigo e Novo testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1995.
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Pb. Weliano Pires