(Comentário do 1º tópico da Lição 11: O espírito humano e as disciplinas cristãs).
Neste primeiro tópico, estudaremos a relação entre a piedade e as disciplinas cristãs. Iniciaremos destacando o paralelo traçado pelo apóstolo Paulo entre o exercício corporal e a piedade, conforme registrado em 1 Timóteo 4.8.
Em seguida, analisaremos a diferença entre piedade externa e piedade interna. Embora as disciplinas cristãs incluam atos visíveis, a verdadeira piedade não se limita à aparência religiosa. Ela nasce de uma vida interior de sincera e profunda devoção a Deus.
Por fim, refletiremos sobre a relação entre piedade e discrição, enfatizando que a prática das disciplinas espirituais é incompatível com vaidade, ostentação e exibicionismo.
1. Exercício corporal e piedade.
O texto base para a argumentação deste subtópico é 1 Timóteo 4.7–8, que afirma:
“Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas, e exercita-te a ti mesmo em piedade; porque o exercício corporal para pouco aproveita, mas a piedade para tudo é proveitosa, tendo a promessa da vida presente e da que há de vir.”
No contexto desses versículos, Paulo faz uma advertência a respeito da apostasia dos últimos dias, quando muitos se desviarão da fé e darão ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios. Depois de descrever as práticas características desses falsos ensinos, Paulo recomenda a Timóteo que rejeite os mitos e crendices propagados pelos falsos mestres e se exercite na piedade.
Paulo conclui afirmando que o exercício físico tem pouco proveito quando comparado ao exercício da piedade. Nesse paralelo entre o exercício corporal e o exercício espiritual, é importante observar o significado original das três palavras-chave: exercício, piedade e pouco, para que compreendamos plenamente a mensagem do apóstolo e evitemos interpretações distorcidas.
a) Exercício (gr. gymnasía)
A palavra gymnasía deu origem ao termo português “ginásio”. Refere-se a um treinamento vigoroso — seja do corpo ou da mente — com o objetivo de aprimorar o desempenho. No contexto específico de 1 Timóteo, porém, Paulo não está falando do exercício físico como o entendemos hoje, mas sim das práticas ascéticas que envolviam o corpo, como a abstinência do matrimônio e a proibição de certos tipos de alimentos, defendidas pelos falsos mestres.
b) Piedade (gr. eusebeia)
A palavra “piedade”, em português, ganhou um sentido diferente do que possuía na época em que João Ferreira de Almeida a utilizou. Por influência do uso católico, costuma estar associada à compaixão ou misericórdia (“Tende piedade de nós”). Entretanto, o termo grego eusebeia é formado por eu (“bom”) e sebomai (“adorar”, “ser devoto”). Assim, seu significado é o de devoção reverente e fidelidade a Deus em todos os aspectos da vida, não apenas misericórdia ou sensibilidade emocional.
c) Pouco (gr. olygos)
A palavra grega olygos, traduzida por “pouco”, significa “pequeno”, “limitado” ou “restrito”. Ela é a raiz de “oligarquia”, que descreve o governo de um pequeno grupo. Quando Paulo declara que “o exercício corporal para pouco aproveita”, não está desprezando o exercício físico nem aconselhando desleixo com o corpo. Seu ponto é que o treinamento ascético do corpo tem benefício limitado para o preparo espiritual, ao passo que o exercício da piedade é proveitoso em todas as áreas da vida, tanto agora quanto na eternidade.
2. Piedade interna e externa.
Aqui o comentarista estabelece um contraste entre a piedade interna e a piedade externa. Conforme mencionamos anteriormente, a piedade diz respeito à fidelidade a Deus em todos os aspectos da vida. Naturalmente, essa fidelidade não se limita a crer em Deus, pois Tiago afirma que “a fé sem obras é morta”. Não basta acreditar que Deus existe e aceitar a veracidade de Sua Palavra se essa crença não se traduz em prática. O próprio Jesus declarou: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.17).
Os escribas e fariseus davam grande ênfase ao aspecto exterior da piedade — longas orações, jejuns frequentes, esmolas, rigor no dízimo e vestimentas religiosas adornadas com trechos das Escrituras. Contudo, essas expressões externas não correspondiam ao interior deles, que estava repleto de inveja, hipocrisia, mentira e toda sorte de maldade.
Não há nada de errado com a prática externa da piedade; ao contrário, a Escritura recomenda a prática das boas obras. Entretanto, a verdadeira piedade nasce de um coração regenerado pelo Espírito Santo, e as boas obras são fruto do novo nascimento. O crente não pratica boas obras para conquistar a salvação ou para obter favores divinos, mas porque já foi salvo por Jesus e agora reflete o Seu caráter diante do mundo.
3. Piedade e discrição.
Do ponto de vista bíblico, a prática das disciplinas espirituais é incompatível com o exibicionismo e a autopromoção. Jesus condenou duramente os escribas e fariseus por isso, tanto no Sermão da Montanha quanto no capítulo 23 de Mateus. Ele censurou as orações longas realizadas em público, os jejuns acompanhados de aparência triste e as esmolas feitas com alarde (Mt 6.1–18).
Evidentemente, o Mestre não condenou as orações públicas ou em pé, como afirma a Congregação Cristã no Brasil. Não há nada de errado em orar publicamente ou de pé, pois o próprio Jesus fez isso na ressurreição de Lázaro, na multiplicação dos pães e peixes e em outras ocasiões. O que Jesus reprovou foi o exibicionismo — a prática de orar para ser visto.
Da mesma forma, Jesus não condenou o jejum, pois Ele mesmo jejuou. No entanto, ensinou que o jejum deve ser realizado em secreto, sem a expectativa de reconhecimento humano. Lamentavelmente, na atualidade vemos pessoas jejuando e “tocando trombeta” nas redes sociais e na Igreja, como demonstração de espiritualidade. Jesus rejeita esse tipo de jejum, pois ele revela soberba, e não rendição a Deus.
As esmolas e ofertas também devem ser praticadas com discrição e com propósitos nobres. Quando ajudamos alguém necessitado, devemos fazê-lo da forma mais reservada possível, para não constranger quem recebe e para não buscarmos elogios; afinal, nesse caso, Jesus disse que já recebemos a nossa recompensa.
Em relação às contribuições à Igreja, também devemos ofertar de modo que ninguém saiba o valor entregue. As contribuições feitas à Obra do Senhor devem ser dadas com alegria, voluntariamente e sem esperar nada em troca. Uma pessoa piedosa não contribui para ser bem vista na comunidade. Esse foi o comportamento de Ananias e Safira, que, movidos pela avareza, trouxeram sua oferta para obter reconhecimento. Mas o Espírito Santo revelou a farsa, e ambos morreram.
Ev. WELIANO PIRES
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