(Comentário do 1º tópico da Lição 02: A deturpação da Doutrina bíblica do pecado)
Ev. WELIANO PIRES
No primeiro tópico falaremos sobre o ensino bíblico a respeito da natureza do pecado. Traremos a definição bíblica de pecado, a partir dos termos hebraicos e gregos, respectivamente “chata´th” e “hamartia”, que tem o sentido de “errar o alvo”. Falaremos também da universalidade do pecado, ou seja, que o pecado do primeiro casal corrompeu toda a humanidade e, portanto, todos os seres humanos, sem exceção, nascem pecadores. Por último, falaremos da corrupção total, ou depravação total da natureza humana. Isto significa que a natureza humana foi corrompida em todos os aspectos, o que impede o ser humano de se voltar para a Deus por si mesmo, sem a ação do Espírito Santo.
1- Definição de Pecado. A humanidade tem vários problemas crônicos, mas o maior problema do ser humano, sem nenhuma dúvida, é o pecado, pois ele é o causador dos demais. Uma das principais diferenças entre as religiões é o que elas pensam a respeito do pecado. Há religiões que negam a existência do pecado, outras elaboram uma lista enorme de práticas que eles classificam como pecado. Há ainda os que dizem que o homem deve pagar nesta vida por seus pecados e outros acreditam na reencarnação, para que o ser humano pague pelos seus erros em outras vidas. Existem muitos equívocos em relação à definição de pecado e em relação ao perdão dos pecados. Mas, o que é pecado?
O comentarista cita os termos chata´th (hebraico) e “hamartia” (grego), que traduzem a palavra pecado. Mas, na Bíblia, há várias palavras hebraicas e gregas que se referem ao pecado. O termo hebraico “chata’th” e o seu correspondente grego “hamartia”, que significam “errar o alvo”. Literalmente é uma referência a um atirador que atira uma flecha e erra o seu alvo, como por exemplo, em Juízes 20.16: “Entre todo este povo havia setecentos homens escolhidos, canhotos, os quais todos atiravam com a funda uma pedra a um cabelo e não erravam.” O alvo de todo ser humano é atingir a obediência total a Deus. Se ele falha nessa obediência, “erra o alvo” e, portanto, comete pecado.
Há também o termo hebraico “avon” e o seu correspondente grego “adíkia”, que significam “falta de integridade”. Estas duas palavras foram traduzidas em nossas Bíblias por “injustiça” e tem o sentido de praticar coisas injustas e desonestas contra o próximo, como, por exemplo, dar um falso testemunho para condenar um inocente, ou mentir para absolver o culpado.
O termo hebraico “pesha” e o seu correspondente grego “parábasis” significam rebeldia ou uma completa rejeição e insubordinação contra a autoridade de Deus. Deus é o Soberano de todo o universo. Ele cria as próprias leis, que são absolutamente justas, pois um dos seus atributos morais é a justiça. Em todos os seus atos e palavras, Deus é sempre justo. Insurgir-se contra a autoridade de Deus e querer viver segundo o próprio pensamento, portanto, é pecado.
Temos ainda o termo hebraico “resha” e o seu correspondente grego “anomia”, que significam ilegalidade, ou “fuga culposa da lei”: “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei.” (1 Jo 3.4). Deus é o Criador de todas as coisas, inclusive do ser humano. Sendo o Criador e sustentador de todo o universo, Ele criou as próprias leis, que estão registradas na Bíblia Sagrada. A desobediência a estas leis constitui-se em pecado contra Deus. É importante esclarecer que esta "Lei de Deus" não são os Dez Mandamentos, como insistem os Adventistas. A Lei Mosaica foi dada a Israel naquela dispensação e não tem apenas dez mandamentos, são 613. A Lei de Deus está em toda a Bíblia, Antigo e Novo Testamento. Porém, é preciso entender o que é mandamento para Israel e o que é mandamento para a Igreja.
2- A universalidade do pecado. O ser humano foi criado por Deus perfeito, inocente e sem pecado. Mas, como Adão era o representante da raça humana, o pecado de Adão passou a toda a sua posteridade: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.” (Rm 5.12). Sendo assim, todos os seres humanos, sem exceção, nascem pecadores e sem condição alguma de se regenerarem por si mesmos. O pecado não é uma qualidade negativa que se revelou em alguns indivíduos específicos que se tornaram maus. É uma característica inerente à raça humana, ou seja, todos nós nascemos pecadores e inimigos de Deus. Portanto, o homem é essencialmente um pecador, não necessariamente por causa do que ele faz, mas, em virtude do que ele é. A isso chamamos de universalidade do pecado. A única forma do homem ser restaurado completamente do pecado é através da fé em Cristo.
Assim como acontece com o conceito de pecado, que tem deturpações, conforme veremos no próximo tópico, há também idéias equivocadas sobre a abrangência do pecado original. Uma das heresias mais conhecidas é o pelagianismo, que são os ensinos de um monge britânico chamado Pelágio, que viveu no século IV d.C. Pelágio ensinou que o pecado de Adão não passou a toda a raça humana, apenas o seu mau exemplo. Segundo Pelágio, Deus cria todas as almas humanas inocentes e perfeitamente capazes de obedecer a Deus, como foi Adão no Éden. Ensinava também que Adão foi criado mortal e, portanto, teria morrido, mesmo que não tivesse pecado.
As heresias de Pelágio foram duramente combatidas pelo Bispo Agostinho de Hipona e foram condenadas nos Concílios de Cartago (418 d.C.), de Éfeso (431 d.C.) e de Orange II (529 d.C.). O pelagianismo é uma doutrina totalmente antibíblica. A Bíblia ensina que o primeiro homem foi criado inocente, bom e com o livre-arbítrio para escolher obedecer a Deus ou se rebelar contra Ele. O homem escolheu se rebelar contra Deus e, esta rebelião, trouxe imediatamente a morte espiritual, que é o rompimento com Deus e a corrupção da natureza humana. Estes efeitos da queda não atingiram apenas a Adão, mas a toda a raça humana, como veremos a seguir.
3- Corrupção Total. A Declaração de Fé das Assembléias de Deus no Brasil, em seu capítulo IX, que trata do pecado e suas consequências, declara o seguinte sobre a corrupção total do ser humano: “A Queda no Éden arruinou toda a humanidade tão profundamente que transmitiu a todos os seres humanos a tendência ou inclinação para o pecado. Não somente isso, contaminou toda a humanidade: “não há um justo sequer” (Rm 3.10); “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23). A natureza moral foi corrompida, e o coração humano tornou-se enganoso e perverso. Todas as pessoas estão mortas em ofensas e pecados; são inimigas de Deus e escravas do pecado. A corrupção do gênero humano atingiu o homem em toda a sua composição — corpo, alma e espírito”.
O pecado corrompeu todas as áreas da natureza humana. Sendo assim, o ser humano é totalmente incapaz de, por si mesmo, praticar o que é espiritualmente bom ou buscar a Deus. Com a corrupção geral da natureza humana, o ser humano morreu espiritualmente em seus pecados e delitos (Ef 2.1). A teologia chama isso de “depravação total”. Há debates históricos sobre isso, entre calvinistas e arminianos. Entretanto, a divergência entre eles não consiste na depravação total, pois ambos concordam que todo o indivíduo: espírito, alma e corpo, estão maculados pelo pecado.
João Calvino defendia que Deus, em sua soberania, decidiu salvar alguns pecadores, deixando o restante da humanidade pecadora destinada à perdição e tormento eternos. Segundo o ensino de Calvino, o ser humano, após a queda, não possui o livre arbítrio ou a liberdade para escolher obedecer a Deus ou não. Os calvinistas ou monergistas defendem que todos os seres humanos foram corrompidos totalmente pelo pecado e que não tem condições nenhuma de se voltarem para Deus.
Jacob Arminius, por sua vez, defendia também a depravação total, inclusive do livre-arbítrio. Mas defendia que o ser humano recebe de Deus a Graça preveniente, que o torna capaz de entender o Evangelho através do Espírito Santo e pode escolher aceitá-lo ou rejeitá-lo. Segundo a definição do pastor e teólogo, Altair Germano, “Graça preveniente se refere ao amor de Deus em ação, que toma a iniciativa em relação ao homem caído, e não somente no sentido de propiciar a salvação, mas também no sentido de habilitá-lo a recebê-la e atraí-lo a ela, concedendo-lhe assim a possibilidade de corresponder livremente com arrependimento e fé quando Deus o atrai a si.” Através da Graça preveniente, o livre-arbítrio do ser humano para escolher ou rejeitar as coisas de Deus é resgatado.
A Assembléia de Deus, embora não se afirme diretamente em sua Declaração de Fé como arminiana, as doutrinas da salvação e do pecado conforme expostas por Jacob Arminius estão presentes na teologia assembleiana. Cremos na depravação total do ser humano e também no livre-arbítrio concedido por Deus para este decidir seguir a Cristo para ser salvo, ou rejeitá-lo e ser condenado. Entretanto, ressaltamos que o homem, por si mesmo, em sua natureza pecaminosa, não tem condições de fazer isso sem a ação do Espírito Santo.
REFERÊNCIAS:
BATISTA, Douglas. A Igreja de Cristo e o império do mal: Como viver neste mundo dominado pelo espírito da Babilônia. 1ª Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2023.
SOARES, Esequias. Declaração de Fé das Assembleias de Deus. 1ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 58.
HORTON, Stanley. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 201 p.263
CALVINO, João. A instituição da religião cristã. Tomo 2 (livros II e IV). Edição integral de 1559. Tradução de Elaine C. Sartorelli e Omayr J. de Moraes Jr. São Paulo: Editora UNESPE, 2009, p. 380.
DANIEL, Silas. Arminianismo: a mecânica da salvação. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 367.
A Graça Preveniente – Blog do Pr. Altair Germano.
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