(Comentário do 1° tópico da lição 04: Deus é Triúno)
Ev. WELIANO PIRESNo primeiro tópico, veremos como a Bíblia apresenta a Trindade. Inicialmente, veremos que não há nenhuma incompatibilidade entre a doutrina da Trindade e o monoteísmo judaico-cristão. Na sequência, falaremos das evidências da Trindade nos textos do Antigo Testamento. Por último, falaremos da revelação da doutrina da Trindade nos textos do Novo Testamento e nos credos da Igreja Cristã.
1. A Trindade e o monoteísmo judaico-cristão. Mesmo após o advento do pecado, os filhos de Adão adoravam a um único Deus (Gn 4.3-5). Com a multiplicação do pecado, o mundo se afastou de Deus e se tornou politeísta. Nos dias de Noé, somente ele e sua família serviam a Deus.
Quando Deus chamou Abrão para a partir dele formar a nação de Israel, o mundo era politeísta e idólatra, inclusive os pais dele (Js 24.2). Deus se revelou a Abrão como El Shaddai (Deus Todo-Poderoso), prometeu fazer dele uma grande nação e através desta nação abençoar a todos a humanidade. Era uma referência à vinda do Filho de Deus ao mundo para salvar a humanidade.
Deus mudou o nome de Abrão para Abraão e cumpriu a promessa de dar-lhe um filho, prometendo que ele seria pai de uma multidão. A promessa foi repetida a Isaque, filho de Abraão, e a Jacó, filho de Isaque. Os filhos de Jacó mudaram-se para o Egito e lá foram escravizados. Deus os libertou e os conduziu à terra prometida. Enquanto estavam no deserto, Deus deu-lhes as suas leis e a nação de Israel foi formada como um povo monoteísta.
No texto de Deuteronômio 6.4, que é a confissão de fé do Judaísmo, Yahweh é apresentado a Israel como o Único Deus Verdadeiro: “Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único Senhor”. No Decálogo há a expressa proibição de se adorar a outros deuses: Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.” (Êx 20.3,4).
Este mesmo Deus Único é apresentado no Novo Testamento, por Jesus, quando Ele respondeu a uma pergunta de um mestre da Lei, que lhe perguntou qual era o primeiro de todos os mandamentos da Lei. Jesus respondeu citando o texto do Shemah Israel: “O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.” (Mc 12.38).
a) Cada uma das três pessoas é chamada “Deus”. Conforme falamos acima, a Bíblia mostra claramente que há um Único Deus Verdadeiro e somente Ele deve ser adorado. Em Sua Lei, Deus deixou claro a Israel que Ele é o Único Deus e que eles não poderiam ter outros deuses.
Entretanto, na mesma Bíblia vemos que não apenas o Pai, mas o Filho e o Espírito Santo também são chamados de Deus. Com relação ao Pai, não há dúvidas, pois Ele é chamado de Deus em toda a Bíblia. Entretanto, no texto de João 1.1, o apóstolo João diz: “...O Verbo era Deus”, referindo-se ao Filho.
No Livro de Atos 5.3,4, Pedro repreendeu Ananias e disse: “...Por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo…? [...] Não mentiste aos homens, mas a Deus.” Ou seja, quem mente ao Espírito Santo está mentindo a Deus, pois Ele é Deus.
b) Cada uma das três pessoas é cada “Senhor”. No hebraico não havia vogais, apenas consoantes. Com o passar do tempo colocaram alguns símbolos que indicavam vogais, conforme a pronúncia das palavras. O nome usado para se referir ao Deus de Israel era formado pelas letras hebraicas Iod, Hê, Vav e He, que correspondem às letras YHWH em português. Para não correr o risco de usar o nome de Deus em vão, os judeus pararam de pronunciá-lo e usavam em seu lugar a palavra Adonai que significa “Meu Senhor”. Na Versão Almeida Revista e Corrigida, onde aparece este Tetragrama no texto hebraico, foi usada a expressão “o SENHOR” com letras maiúsculas.
Tanto YHWH como Adonai são usados apenas para se referir a Deus. Entretanto, YHWH é usado para se referir ao Pai como, por exemplo, no Salmo 110.1: “Disse o SENHOR (YHWH) ao meu SENHOR (Adonai): Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.”
Em Isaías 40.3 e em sua citação em Mateus 3.3, no entanto, o tetragrama é usado para se referir ao Filho: “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do SENHOR (YHWH); endireitai no ermo vereda a nosso Deus.”
No texto de Ezequiel 8.1, o profeta disse que “... estando eu assentado na minha casa, e os anciãos de Judá, assentados diante de mim, que ali a mão do Senhor Jeová (YHWH) caiu sobre mim.” No versículo 3 do mesmo capítulo, ele diz: “... E estendeu a forma de uma mão e me tomou pelos cabelos da minha cabeça; e o Espírito me levantou entre a terra e o céu…”. Ou seja, o tetragrama neste caso, se refere ao Espírito Santo.
Há ainda os casos em que YHWH é usado para se referir à Trindade, como no caso de Deuteronômio 6.4: “Ouve ó Israel, o SENHOR (YHWH) nosso Deus é o único Senhor (Adonai).” Neste texto, o tetragrama traduzido por SENHOR e a palavra Adonai traduzida por SENHOR no final do texto se referem à Trindade e não apenas ao Pai.
c) O monoteísmo bíblico não contradiz a Trindade. O texto de Deuteronômio 6.4-9 é chamado de Shemá Yisrael, que são as primeiras palavras do início do texto de Deuteronômio 6.4: “Ouve Israel”. Na literatura hebraica, o título de um texto ou de um livro era a primeira palavra do texto e não um chamativo baseado no tema central da obra, como acontece atualmente. Por exemplo, o título hebraico do Livro de Gênesis é Bereshit (No princípio), que são as duas primeiras palavras do livro.
O Shemá Yisrael é repetido em três textos da Torá: Dt 6.4-9,11.13-21 e Nm 15.37-41. É a confissão de fé do Judaísmo, a qual é recitada pelos homens judeus, duas vezes por dia, uma ao amanhecer e outra, ao anoitecer. A primeira parte do Shemá é a proclamação da Unicidade, Unidade e Singularidade de Yahweh.
Com base neste texto, os judeus rejeitam o politeísmo, o dualismo e a trindade. Entretanto, este texto não contradiz a doutrina da Trindade. Como explicou o comentarista, a palavra hebraica echad (pronuncia-se errad) traduzida por “único” não significa unidade de pessoas e sim unidade composta como, por exemplo, no caso de marido e mulher que se tornam “uma só carne” no matrimônio, mas continuam sendo duas pessoas.
2. Evidência no Antigo Testamento. Além das evidências que vimos no subtópico anterior, que revelam a Trindade no Antigo Testamento, como o fato da Bíblia chamar as três pessoas de Deus e de Senhor, temos ainda outras evidências da pluralidade de Pessoas na Unidade de Deus. No primeiro versículo da Bíblia, a Trindade está presente.
No texto em português não dá para perceber isso, mas no texto em hebraico fica claro. O texto de Gênesis 1.1 diz o seguinte: “No princípio criou Deus, os Céus e a Terra”. No texto hebraico, o sujeito traduzido por “Deus” neste versículo é Elohim. Em hebraico, a palavra Deus é El e a sua variação Elohah. Elohim é o plural de Eloah.
O verbo criou no texto hebraico é “Bará” e está no singular. Ou seja, o sujeito está no plural e o verbo no singular. Em português, teríamos um erro de concordância verbal, pois em nossa gramática o verbo concorda com o sujeito. Então, a única explicação para isso é que Elohim (Deus no plural) é uma unidade composta e se refere à Trindade.
Temos ainda no Antigo Testamento, os diálogos de Deus, no caso da criação do homem e no caso da construção da Torre de Babel. Quando Deus criou o homem, Ele disse: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26). Aqui, tanto o verbo “fazer”, como o pronome “nossa” estão no plural.
Da mesma forma, quando homens ímpios intentaram construir a Torre de Babel, Deus falou: “Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro” (Gn 11.6,7). Com quem Deus estava falando, para usar os verbos descer e confundir na primeira pessoa do plural? Só poderia ser com as outras duas pessoas da Santíssima Trindade.
Outro caso semelhante aconteceu na chamada do profeta Isaías. Depois que um dos Serafins voou e colocou na boca de Isaías uma brasa que tirara do altar e disse que o seu pecado havia sido purificado, Isaías ouviu uma voz do Céu perguntando: “A quem enviarei? Quem há de ir por nós?” (Is 6.8). Aqui também, o verbo enviar está no singular e o pronome está no plural. Ou seja, Deus é uma unidade, mas são três pessoas.
3. Revelada no Novo Testamento. Se no Antigo Testamento, a Trindade está apenas implícita e não revelada diretamente, no Novo Testamento temos claramente a revelação das três pessoas distintas da Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mas um Único Deus.
a) A Trindade em si mesma. O comentarista apresenta aqui vários textos bíblicos tripartidos, ou seja, textos que revelam as três pessoas da Trindade. O primeiro deles é o texto da Grande Comissão, em Mateus 28.19 que diz: “Ide ensinai todas as nações, batizando-as em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. O segundo texto citado é 1 Coríntios 12.4-6 que fala da distribuição dos dons espirituais e diz: “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.” Na sequência, o texto de 2 Coríntios 13.13 (ou 14 em algumas versões), que traz a benção apostólica: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo seja convosco”. Em todos estes textos está clara a existência de três pessoas divinas. Mas não são três deuses.
b) A Trindade dos credos. Um credo é uma confissão pública resumida dos principais pontos da nossa fé. Nos primeiros séculos da Igreja surgiram várias heresias e os apologistas da Igreja precisaram se debruçar sobre as Escrituras e se posicionar contra as heresias. A partir do século II surgiu o primeiro resumo com a declaração de fé apostólica que, segundo a tradição, foi transmitida por eles. Segue abaixo as declarações dos três principais Credos que defenderam a doutrina da Trindade e na sequência, o trecho da Declaração de fé das Assembleias de Deus que trata do mesmo assunto.
1) Credo Apostólico. Foi escrito no século II e é atribuído pela tradição aos apóstolos. As partes que eu destaquei em negrito são as que fazem menção às três pessoas da Trindade:
Creio em Deus Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu Filho Unigênito, nosso Senhor; que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria; sofreu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto, e sepultado, e desceu ao Hades; e ressuscitou da morte ao terceiro dia; que subiu ao Céu, e está sentado à mão direita de Deus, o Pai Todo-poderoso; de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na santa Igreja cristã, na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; e na vida eterna.
2) Credo Niceno (325 d.C). Foi a primeira formulação teológica da doutrina da Trindade, contra as heresias dos unicistas e unitaristas, contendo também a condenação da Igreja aos hereges:
Cremos em um só Deus, Pai Onipotente, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, o Unigênito do Pai, que é da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, de uma só substância [homooúsios] com o Pai, por meio de quem todas as coisas vieram a existir, as coisas que estão no céu e as coisas que estão na terra, que por nós, homens, e por nossa salvação desceu e foi feito carne, e se fez homem, sofreu, e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e virá para julgar os vivos e os mortos. E também no Espírito Santo. Mas aqueles que dizem: “Houve um tempo quando ele não era”; e “Ele não era antes de ter nascido”; e “Ele foi feito do que não existe”, ou “Ele é de outra substância” ou “essência”, ou “O Filho de Deus é criado”, ou “mutável”, ou “alternável” — eles são condenados pela Igreja cristã e apostólica.
3. Credo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C). Foi uma reafirmação e expansão do Credo de Nicéia. Este credo afirma também outros pontos da fé cristã, mas eu coloquei abaixo somente a parte que fala das três pessoas da Trindade:
“Cremos em um só DEUS, o Pai Todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, o gerado do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus, gerado e não feito, da mesma substância do Pai […] E no Espírito Santo, o Senhor e Vivificador, o que procede do Pai e do Filho, o que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado…”
3) Credo Atanasiano (Século VII). É atribuído a Atanásio, bispo de Alexandria no 4º século, mas foi composto no final do século V e alcançou a sua forma final no século VII. O credo de Atanásio contém uma das mais firmes defesas da doutrina da Trindade. Este também contém também outros pontos importantes da doutrina cristã, mas eu coloquei apenas a parte principal da defesa da Trindade, que é a parte que nos interessa nesta lição.
“A fé universal é esta: que adoremos um Deus em trindade, e trindade em unidade; Não confundimos as Pessoas, nem separamos a substância.”
4) A DECLARAÇÃO DE FÉ DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS. Este documento foi elaborado por uma comissão de teólogos assembleianos, presidida pelo Pr. Esequias Soares da Silva. A Declaração foi aprovada em 2016 e publicada em 2017. No capítulo III, que trata da Doutrina da Trindade foi escrito o seguinte:
“CREMOS, professamos e ensinamos o monoteísmo bíblico, que Deus é uno em essência ou substância, indivisível em natureza e que subsiste eternamente em três pessoas — o Pai, o Filho e o Espírito Santo, iguais em poder, glória e majestade e distintas em função, manifestação e aspecto [….] As Escrituras Sagradas claramente revelam que a Trindade é real e verdadeira. Uma só essência, substância, em três pessoas. Cada pessoa da santíssima Trindade possui todos os atributos divinos: onipotência, onisciência, onipresença, soberania e eternidade. A Bíblia chama textualmente de Deus cada uma delas; as Escrituras Sagradas, no entanto, afirmam que há um só Deus e que Deus é um” (1 Co 8.6; Gl 3.20; Ef 4.6).”
REFERÊNCIAS:
SOARES, Esequias. Em defesa da Fé Cristã: Combatendo as antigas heresias que se apresentam com nova aparência. RIO DE JANEIRO: CPAD, 1ª Ed. 2025.
SOARES, Esequias. Declaração de Fé das Assembleias de Deus: Jesus salva, cura, batiza no Espírito Santo e em breve voltará. RIO DE JANNEIRO: CPAD, 1ª Ed. 2017, p.40.
Revista Ensinador Cristão. RIO DE JANEIRO: CPAD, Ed. 100, 2025, p. 38.
HORTON, Stanley. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, pp.162-63.
Bíblia de Estudo Apologia Cristã. RIO DE JANEIRO: CPAD, 2016, p.1535.
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