Por Alan Ghani*
Não há dúvida de que, hoje, a
aceitação da reforma da previdência é muito maior pela sociedade brasileira. No
entanto, existem ainda grupos de interesses contrários à reforma, que não
querem perder seus privilégios, e propagam uma série de falácias sobre a
previdência, a fim de manter suas benesses às custas da desinformação de
inocentes úteis. Este artigo visa desmascarar todas estas falácias.
Falácia 1: Não há necessidade de reforma porque a Seguridade Social é
superavitária.
Antes de desmascarar esta
falácia, precisamos entender que a Seguridade Social é composta por três
componentes: Previdência, Assistência
Social e Saúde.
De acordo com uma tabela,
extraída do Relatório de Execução Orçamentária - auditado pelo TCU e aprovado
pelo Congresso Nacional -, em 2018,
a Seguridade Social teve um déficit de 280,6 bilhões de
reais, e a previdência um déficit de 289,4 bilhões de reais. Contra fatos e
dados não há argumento: a Previdência e
a Seguridade Social são deficitárias.
Falácia 2: Se não existisse a DRU (Desvinculação de Receitas da União),
não haveria necessidade de reforma da previdência.
Nosso orçamento é muito engessado
devido às regras colocadas pela Constituição Federal de 1988. Na pratica,
existem despesas obrigatórias – mesmo que não haja necessidade – e tributos
destinados a financiar apenas determinado tipo de gasto. É evidente que essas
características tornam nosso orçamento muito engessado. Pense, na sua casa, se você
não tivesse nenhuma flexibilidade em como gastar o seu salário. Por exemplo, se
uma lei te obrigasse a gastar todo mês 20% do seu salário com remédios, mesmo
que você não estivesse doente. Não faz sentido, certo? Então, é isso que ocorre
com boa parte do nosso orçamento.
Para evitar essa rigidez, a DRU
permite mobilização das receitas da União de uma área para outra no limite de
30% da arrecadação. Até 2015,
a DRU era de 20%. Em 2016, ainda no governo Dilma, esse
limite passou para 30%.
Como a DRU permite a mobilização
de receitas da Previdência para outras áreas, respeitando o limite de 30%,
algumas pessoas alegam que a Previdência, sem este mecanismo, seria
superavitária. Novamente, recorrendo a tabela 1 acima, verificaríamos que, sem
a DRU, o déficit da Seguridade Social seria de R$171 bilhões e da previdência
de R$180 bilhões.
Além disso, a utilização da DRU
não significa que, na prática, a Previdência ficou sem recursos, tanto é que
todo mundo continua a receber suas aposentadorias. Nesse caso, a DRU é
utilizada para permitir necessidades financeiras diante de desencaixes
temporais de fluxo de caixa em outras áreas.
Conforme falamos, sem a DRU, o
déficit seria menor, mas ainda muito grande. Portanto, discutir o fim da DRU
para amenizar o déficit da previdência e atenuar a reforma não faz sentido.
Primeiro, porque, mesmo sem a DRU, haveria um grande déficit da Previdência e
da Seguridade Social (R$171 bilhões e R$180 bilhões), tornado a reforma
inevitável. Segundo que, sem a DRU, levaríamos provavelmente o Brasil a um
colapso das contas públicas, dado que ela é um instrumento essencial de
flexibilização e execução orçamentária. Terceiro, mesmo que não existisse a DRU
e utilizássemos todos os recursos do Tesouro para cobrir a Previdência,
poderíamos zerar o déficit da previdência, mas teríamos déficit em todas as
outras áreas, como saúde, educação, etc. E por quê? Porque o dinheiro do
governo é fruto do dinheiro da sociedade arrecadado por meio de impostos. Você
pagará a conta do mesmo jeito. Nesse caso, em vez de chamarmos de déficit da
previdência, chamaríamos de déficit do Tesouro. O nome mudaria, mas quem
pagaria a conta (eu e você), não!
Falácia 3: Existem dívidas das empresas com a previdência; não havendo
necessidade de reforma.
As dívidas previdenciárias das
empresas somam em torno de R$450 bilhões de reais. R$450 bilhões resolvem o
déficit da previdência por 1 ano e meio apenas. Há uma confusão entre os
conceitos de "dívida" e de "déficit". Déficit é um fluxo.
Hoje, o déficit da previdência é na ordem R$289,4 bilhões de reais. Em outras
palavras, ficam faltando R$289,4 bilhões de reais todo ano para cobrir o rombo
da previdência. Hoje, este rombo é coberto com impostos que poderiam estar
sendo utilizados para educação, saúde e segurança pública.
Falácia 4: Se não tivesse corrupção, não precisaria de reforma
É evidente que a corrupção é um
mal e deve ser combatida independentemente da reforma. No entanto, mesmo sem
corrupção, haveria necessidade de reforma. De acordo com os dados da Operação Lava
Jato, houve R$150 bilhões de reais desviados no esquema do Petrolão. Isso daria
para resolver apenas meio ano de previdência. Além disso, a discussão em termos
hipotéticos não adianta nada para resolver concretamente o problema.
Falácia 5: A expectativa de vida do brasileiro é de 75,5 anos; tem
município que as pessoas vão morrer antes de se aposentar
A expectativa de vida é uma média
de quantos anos uma pessoa vive. Dizer que a expectativa de vida é de 75 anos
não quer dizer que alguém viverá exatamente 75 anos, mas que, na média, as
pessoas vivem 75 anos (cada um poderá viver mais ou menos do que a média). A
expectativa de vida é influenciada pela mortalidade infantil. Se a mortalidade
infantil é alta, a expectativa de vida cai. No Brasil, alguns municípios têm
baixa expectativa de vida não pela elevada fatalidade em idosos, mas porque a
mortalidade infantil é alta. No entanto, para o debate da previdência o que
interessa é a expectativa de vida do idoso. A razão é óbvia: a pessoa só se
aposentará a partir de determinada idade (55 anos mulheres e 60 homens, de
acordo com as regras atuais). Assim, para a aposentadoria, o que interessa é a
expectativa média de sobrevida, isto é, dado que uma pessoa chegou aos 50 anos,
quanto tempo ela tem de vida. Nesse caso, de acordo com os dados do IBGE, a
expectativa média é de 83 anos, com pequena variação entre os estados
brasileiros e próxima dos países desenvolvidos.
Falácia 6: A reforma da previdência vai prejudicar o mais pobre.
Pelo contrário, a reforma será
favorável aos mais pobres. Primeiro, porque de acordo com as regras atuais,
apenas quem tem mais dinheiro consegue se aposentar antes da idade mínima
(aposentadoria por tempo de contribuição). O mais pobre continua trabalhando
mesmo depois da idade mínima. Segundo,
porque os fartos benefícios (aposentadorias de R$20.000) estão no funcionalismo
público estatal. Como o sistema é altamente deficitário, significa que toda a
sociedade, inclusive os mais pobres, estão financiando essas aposentadorias
milionárias. Como nosso sistema tributário é altamente regressivo, na prática,
tira-se dos mais dos mais pobres para financiar a aposentadoria dos mais ricos.
Vale lembrar que mais dinheiro para as aposentadorias fartas é menos recurso
para saúde, educação e segurança pública. Além de sobrar mais dinheiro para
essas áreas, a reforma trará otimismo para os empresários, o que levará ao
aumento da renda e do emprego, favorecendo principalmente os mais pobres.
Falácia 7: Funcionário público contribuiu com mais, portanto, deve ter
uma reforma mais branda.
É verdade que os servidores que
ingressaram no serviço público antes de 2013 contribuem com mais em relação aos
trabalhadores do setor privado. No entanto, o déficit per capita gerado por
eles, comparativamente ao do setor privado, é muito maior, conforme
demonstrado, com dados, funcionário público paga mais, mas, gera maior déficit
na previdência.
Falácia 8: As contas da
Previdência devem ser auditadas
Esta é aquela típica falácia para
estimular inocentes úteis conspiratórios a repetirem clichês desconectados da
realidade. Os dados da Previdência são púbicos, divulgados pelo Tesouro
Nacional, auditados pelo TCU e seguem os padrões de contabilidade internacional
do IPSAS.
Além disso, nenhum presidente,
desde FHC, negou o problema previdenciário; claro, enquanto estiveram no
governo. Pelo contrário, alguns fizeram reformas (FHC e Lula); outros tentaram,
mas foram impedidos pelas circunstâncias de vazamentos (Temer), e Bolsonaro
tenta emplacar uma das reformas mais importes para a sociedade brasileira dos
últimos tempos.
* Alan Ghani, é economista mestre e
doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of
Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua
como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação,
MBAs e treinamentos in company.
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